Município condenado por acidente em aparelho de ginástica

Direito Civil - Responsabilidade Civil - Mantida a condenação do Município por seqüelas irreversíveis causas pela quebra de aparelho de ginástica disponibilizado ao público. O autor sofreu lesões neurológicas, ficando atrelado a medicamentos de uso contínuo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam as Desembargadoras integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E AO RECURSO ADESIVO.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), as eminentes Senhoras DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA E DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI.
Porto Alegre, 31 de agosto de 2005.

DESA. FABIANNE BRETON BAISCH,
Relatora.


RELATÓRIO
DESA. FABIANNE BRETON BAISCH (RELATORA)

Trata-se de apelação interposta pelo MUNICÍPIO DO RIO GRANDE, e de recurso adesivo, por ..., contra sentença prolatada pelo magistrado singular, nos autos da ação ordinária de reparação de danos, que julgou parcialmente procedente a demanda, condenando o réu ao pagamento de R$ 12.000,00, a título de danos morais, incidindo juros moratórios no percentual de 6% ao ano até a entrada em vigor do novo Código Civil, e, após, 12% ao ano, a contar da citação, além de correção monetária, pelo IGP-M, a partir da sentença. Condenou, ainda, os litigantes, ao pagamento das custas processuais, na razão da metade para cada um e honorários advocatícios, devidos ao patrono da parte adversa, fixados em R$ 2.400,00; suspensa a exigibilidade em relação ao autor, ante a AJG deferida ab initio.

Em suas razões, o requerido sustenta que não foi devidamente comprovado que o autor agiu com cautela, para que pudesse evitar o sinistro. Como os aparelhos são utilizados pela comunidade, incumbia ao apelado, o dever de acautelar-se antes da prática de seus exercícios. Portanto, não há como prosperar a tese de que há responsabilidade do Município pelo evento danoso, vez que é sabido que o acidente somente ocorreu por falta de atenção e imprudência do apelado. Em relação aos juros moratórios mencionados na sentença, não há como aceitá-los ante as disposições da Medida Provisória nº 2180-35 de 24.08.2000. Por fim, na hipótese de permanência da decisão monocrática, insurge-se em relação ao quantum fixado a título de honorários advocatícios, devendo ser arbitrados de acordo com a melhor exegese do art. 20 do CPC. Postula, ao final, pela reforma da sentença vergastada (fls. 160/161).

Contra-razões às fls. 163-176, pugnando pela manutenção do decisum. Em síntese, aduz que todos os elementos configuradores da responsabilidade civil pela ocorrência de ato ilícito estão presentes nos autos. O comportamento da requerida toma contornos de evento clássico de culpa, seja tomando por assento a teoria do risco, como a teoria objetiva ou, ainda, a teoria subjetiva. Sustenta, ainda, em relação aos juros moratórios, a ineficácia da medida provisória argüida pelo apelante.

O autor, em recurso adesivo (fls. 167/170), postula a incidência da correção monetária desde a data do evento danoso.

Por sua vez, o apelante, ao contra-arrazoar o recurso adesivo, pugna pela manutenção da sentença, vez que houve pedido por valor certo, razão pela qual o termo inicial da correção monetária é a data da condenação e não a do fato (fl. 172).

Subiram os autos a esta Corte.

Aqui, a Dra. Procuradora de Justiça, em parecer exarado às fls. 179/187, opinou pelo conhecimento e improvimento do apelo e provimento do recurso adesivo.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.


VOTOS
DESA. FABIANNE BRETON BAISCH (RELATORA)

O contexto fático revelado nos autos informa que ... ingressou com AÇÃO ORDINÁRIA DE REPARAÇÃO DE DANOS contra o MUNICÍPIO DE RIO GRANDE, objetivando indenização por dano moral e estético, em razão das seqüelas irreversíveis sofridas em decorrência de acidente, quando, no momento em que fazia flexões em um aparelho de ginástica denominado “barra”, localizado em via pública, este veio a quebrar culminando com a colisão do requerente ao solo de “ponta cabeça”, resultando em lesão neurológica irreversível, com denervação e trauma cervical, estando o autor, desde então, atrelado a medicamentos de uso contínuo, mais especificamente medicamentos que protegem ou cessam crises de epilepsia, amnésias e falta de sentido e orientação. Requereu a condenação do réu ao pagamento de indenização a título de dano moral e estético no valor de R$ 307.254,00.

Inconformado com a sentença de parcial procedência prolatada nos autos, o MUNICÍPIO DE RIO GRANDE interpôs apelação, tendo o autor recorrido adesivamente.

A matéria concernente ao recurso do Município, como de praxe, foi muito bem examinada e equacionada pela nobre Procuradora de Justiça, a Dra. Sonia Mara Frantz, por ocasião de seu parecer às fls. 179/187. Assim que, evitando desnecessária tautologia, peço vênia para adotar os fundamentos utilizados, como razões de decidir, as quais transcrevo, in verbis:

“(...)
I - Os recursos são adequados e tempestivos, razão pela qual merecem ser conhecidos. Dispensado de preparo o Município, em face do disposto no art. 511, §1, do CPC e o autor em decorrência do deferimento do benefício de assistência judiciária gratuita.

II – Recurso do Município:

O autor ajuizou ação de indenização a fim de obter a reparação por danos sofridos em virtude de queda quando da realização de exercícios em aparelho de ginástica disponibilizado ao público pelo apelante.

Não merece provimento a irresignação do demandado, devendo a respeitável sentença que julgou parcialmente procedente a demanda ser confirmada por seus próprios fundamentos.

Como é consabido, o que fundamenta a imputação de responsabilidade ao ente público é a ocorrência de um evento danoso e o nexo de causalidade existente entre a ação ou omissão estatal e o prejuízo sofrido pela vítima, incidindo na hipótese dos autos o preceito constitucional contido no art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Com efeito, o direito positivo pátrio manteve a responsabilidade objetiva da Administração, consagrando a teoria do risco administrativo, que importa atribuir ao Estado ou Município a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa, isto é, quando houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano, abrangendo tanto a conduta comissiva como a omissiva, não se perquirindo a existência de culpa do ente público. Em assim sendo, a pessoa jurídica de direito público interno deve ser responsabilizada objetivamente sempre que a ação ou omissão de seus agentes for a causa direta e imediata do dano causado a alguém.

O ilustre doutrinador Yussef Said Cahali, na obra Responsabilidade Civil do Estado, Editora Revista dos Tribunais, 1982, pág. 52, assinala:

“A causa geradora do dano tanto poderá ser representada por uma atividade lícita, normal, da Administração; como por um ato anormal, ilícito, de seus agentes; para a determinação da responsabilidade civil do Estado, reclama-se porém a existência de um nexo entre o dano e a atividade ou omissão da Administração Pública, ou de seu nexo com o ato do funcionário, ainda que lícito, ainda que regular.”

No caso em tela, embora o preposto do requerido, Humberto Cozzani Rodrigues (fl.55), alegue que o município efetuava a manutenção do equipamento de ginástica disponibilizado ao público, não produziu qualquer prova nesse sentido. Ao contrário, as circunstâncias do fato reveladas pela prova oral permitem concluir que o sinistro ocorreu em decorrência de omissão do ente público, consistente na falta de manutenção do equipamento, de modo que o acidente que vitimou o autor poderia ter sido evitado, caso tivessem sido tomadas as medidas preventivas de conservação pelo Poder Público, visando a prevenir que alguém sofra danos em sua integridade física, como ocorreu com o apelado.

Como se observa, as testemunhas presenciais Moisés Pereira (fl.60) e Desno Sebastião Dias (fl.61) são unânimes em afirmar que o acidente que vitimou o autor ocorreu no momento em que este fazia exercícios físicos na barra, que rompeu e ocasionou a queda ao solo da vítima, causando-lhe as lesões descritas nos documentos de fls. 14/15 e no laudo pericial de fls. 91/92.

De outra banda, não merece prosperar o argumento sustentado pelo município no sentido de atribuir ao apelado a culpa pela ocorrência do sinistro. É que inexiste qualquer prova nos autos que ampare tal alegação, e a isenção da responsabilidade sob este fundamento somente é cabível se comprovado pela municipalidade que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima, ônus que lhe incumbia produzir, nos termos do disposto no art. 333, II, do CPC.

Por conseguinte, mostra-se evidente a conjugação dos pressupostos indispensáveis à configuração do dever de reparação: a existência de danos, que se revelou de extensa gravidade (laudo pericial fls.91/92), a omissão administrativa na falta de manutenção do equipamento e o nexo de causalidade entre o dano causado e o ato omissivo do Poder Público.

Nesse diapasão, estando assentada a responsabilidade objetiva do ente público no sinistro, merece ser mantida a sentença que fixou indenização a título de danos morais no montante de R 12.000,00 (doze mil reais).

De outra banda, não há sustentação legal para o afastamento da incidência de juros moratórios de 12% a partir da vigência do novo Código Civil.

O art. 4º da Medida Provisória n.º 2.180-35/2001 assim determina:

“Art. 4º A Lei n.º 9.494, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:

(...)

Art. 1º-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano.

(...)”

Cumpre salientar que esse dispositivo legal diz respeito à condenação da Fazenda Pública ao pagamento de remuneração aos servidores, ou seja, da retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo ou emprego público.

No caso em tela, não se trata de condenar a Fazenda Pública ao pagamento de verba remuneratória a servidor, mas sim de condenação ao pagamento de indenização por danos morais sofridos pelo autor.

Com efeito, em decorrência do evento lesivo, o apelado buscou o ressarcimento pelos danos ocorridos, não havendo qualquer relação entre a sua postulação em juízo e o desempenho de função pública.

Em decorrência, deve ser mantida a incidência de juros moratórios sobre a indenização fixada a título de danos morais, na forma estabelecida na sentença.

Por derradeiro, melhor sorte não assiste ao apelante no tocante à insurgência relativa à verba honorária, que está bem dimensionada e merece subsistir.

Em relação ao recurso adesivo manejado pelo autor, contudo, tenho que não deva ser alterada a sentença.

O julgador monocrático fixou, a título de danos morais, o montante de R$12.000,00 e, como dies a quo da correção monetária, a data daquela decisão.

Pretende o recorrente, porém, que a correção monetária passe a incidir a partir da data do evento danoso.

A correção monetária destina-se a manter o valor aquisitivo da moeda, não sendo justo que incida desde a data do evento danoso, porque momento anterior à fixação do montante indenizatório.

Nesse sentido, precedentes do STJ:

“(...) 4 - Com relação aos danos materiais, os juros moratórios e a correção monetária é devida, a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ e 562/STF). No que tange aos danos morais, a correção monetária é devida a partir desta data. (...)” (RESP 705859 / SP - Ministro JORGE SCARTEZZINI - QUARTA TURMA - 03/02/2005).

“RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA DE CORRENTISTA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL.
(...) A "correção monetária em casos de responsabilidade civil tem o seu termo inicial na data do evento danoso. Todavia, em se tratando de dano moral o termo inicial é, logicamente, a data em que o valor foi fixado" (REsp n. 66.647/SP, relatado pelo eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 03/02/1997).”

“(...) III. Correção monetária que flui a partir da data do acórdão estadual, quando estabelecido, em definitivo, o montante da indenização.” (RESP 566714 / RS, Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, 06/05/2004).

“(...) 2. Nas indenizações por dano moral, o termo a quo para a incidência da correção monetária é a data em que foi arbitrado o valor, não se aplicando a Súmula 43/STJ.” (RESP 657026 / SE, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, 21/09/2004).

“(...) II – O termo a quo da correção monetária nas hipóteses de indenização por dano moral é a data em que o valor foi fixado, e não do efetivo prejuízo, não incidindo, na espécie, o enunciado da Súmula 43 desta Corte.Precedentes.” (RESP 611723 / PI Ministro CASTRO FILHO TERCEIRA TURMA 06/05/2004).

De sorte que deve ser mantida a sentença também nesse ponto.

Ante todo o exposto, VOTO no sentido de NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (REVISORA) - De acordo.
DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - De acordo.

DESA. FABIANNE BRETON BAISCH - Presidente - Apelação Cível nº 70009448705, Comarca de Rio Grande: "NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: BENTO FERNANDES DE BARROS JUNIOR

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