É possível alteração de regime de bens em casamento anterior ao novo CC

Julgados - Direito Civil - Quarta-feira, 24 de agosto de 2005

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, julgou possível a alteração do regime de bens de casamentos contraídos antes da vigência do novo Código Civil brasileiro. O recurso era de um casal que, em 1995, havia adotado o regime de comunhão parcial e queria agora, em fevereiro de 2003, passar ao de separação total.

A primeira instância negou o pedido, sustentando que o artigo 2.039 do novo Código Civil explicitamente afirma que "os regimes de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 1o de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido".

O casal alegava também que havia solicitado ao cartório, quando do casamento, a elaboração de pacto antenupcial com a previsão do regime de separação de bens, o que não foi realizado por erro, restando lavrada a escritura com a adoção do regime de comunhão parcial de bens. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG) negou a apelação do casal nos mesmos termos da sentença. Daí o recurso especial ao STJ.

O ministro Jorge Scartezzini, relator do recurso na Quarta Turma, explicou que o Código Civil de 1916 realmente impedia a alteração do regime de bens escolhido pelos que se casam, exceto em alguns casos excepcionais, sendo irrevogável durante a vigência do casamento.

No entanto, afirmou o relator, o novo Código Civil, de 2002, inovou, dispondo, em seu artigo 1.639, ser "admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".

"Por outro lado", acrescentou o ministro Jorge Scartezzini, "editou-se, também, o artigo 2.039, ora focado, localizado no Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias, o qual determinou, quanto ao regime de bens dos casamentos celebrados anteriormente à vigência do novo Estatuto, que se aplicassem as regras do antigo Código."

O ministro esclareceu ainda que as instâncias ordinárias, seguindo parte dos doutrinadores nacionais, adotaram uma orientação "literalista" ou "textualista"da norma, pressupondo que a permissão de alteração do regime de bens é cabível apenas aos casamentos ocorridos após a entrada em vigor do novo Código Civil. Essa interpretação se fundamentaria no respeito ao ato jurídico perfeito consagrado pela Constituição Federal, que forçaria a manutenção do pacto relativo ao regime de bens.

Para essa corrente doutrinária, o artigo do novo Código Civil que afirma serem os casamentos realizados antes de sua vigência regidos pelo Código anterior se aplicaria não só às regras específicas, que tratam de cada um dos aspectos peculiares dos regimes, mas também às regras gerais, como as que prevêem a responsabilidade do marido ante a esposa e herdeiros em se tratando de rendimento comum.

Por outro lado, continua o relator, nomes de relevo na doutrina brasileira defendem a possibilidade de alteração do regime de bens com relação a casamentos ocorridos antes do novo Estatuto Civil, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido.

"Isso porque [...] o artigo 2.039 do CC/2002, ao dispor que o regime de bens quanto aos casamentos celebrados na vigência do CC/1916, ‘é o por ele estabelecido’, estaria determinando a incidência da legislação civil anterior exclusivamente no tocante às regras especificas a cada um dos regimes matrimoniais [...], alusivas aos aspectos peculiares dos regimes da comunhão universal e parcial e da separação de bens, do regime dotal e das doações antenupciais", esclareceu o ministro Jorge Scartezzini.

Como a permissão de alteração de regime é norma geral relativa aos direitos patrimoniais dos cônjuges, incidiria, no entendimento do ministro, seguido unanimemente pela Quarta Turma, imediatamente, inclusive aos casamentos realizados sob a vigência do Código Civil de 1916.

Tal entendimento seria reforçado por outro artigo do novo Código, o artigo 2035, que trata dos efeitos futuros de contratos de bens em vigência quando de sua entrada em vigor, por ser norma geral de efeito imediato: "A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução".

O relator ressaltou que não se confunde o efeito imediato da nova norma à retroatividade genérica das leis. No caso, a nova legislação a ser imediatamente aplicada não atinge os fatos anteriores a ela, nem os efeitos consumados de tais fatos; mas incide nos fatos ocorridos após sua vigência, e também nos efeitos futuros – ocorridos já na sua vigência – dos fatos ocorridos antes de entrar em vigor.

Dessa forma, os bens adquiridos antes da decisão que eventualmente autorizar a alteração de regime permanecem sob as regras do pacto de bens anterior, vigorando o novo regime sobre os bens e negócios jurídicos comprados e realizados após a autorização.

O ministro Jorge Scartezzini concluiu afirmando que impedir a possibilidade de alteração do regime de bens para casamentos realizados sob o antigo Código Civil seria uma maneira de, ignorando a necessária interpretação legal teleológica em atenção aos fins sociais e às exigências do bem comum, incentivar a fraude, na medida em que se estimularia o divórcio de casais apenas para poderem mudar o regime de bens contraído inicialmente em um novo casamento formal.

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