Concedida alteração de regime de bens na vigência do Código Civil de 1916

Direito Civil - Direito de Família - Casal interpõem pedido de autorização judicial para alteração do regime de bens do casamento, qual seja, da separação total de bens. Julgado improcedente o pedido, foi interposta apelação ao Tribunal, que deu provimento ao recurso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, prover o apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS E DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES.

Porto Alegre, 01 de junho de 2005.

DESA. MARIA BERENICE DIAS,
Relatora-Presidente.


RELATÓRIO
DESA. MARIA BERENICE DIAS (RELATORA-PRESIDENTE)

P. R. F. L. e E. D. S. interpõem pedido de autorização judicial para alteração do regime de bens do casamento, noticiando terem casado pelo regime da separação total de bens. No entanto, ao longo dos treze anos de matrimônio, construíram, mediante esforço comum, uma empresa, mas que, por força do regime de bens contratado, constituirá bem incomunicável. E, por força do art. 977 do Código Civil, os cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens estão impedidos de contratar entre si. Requerem o deferimento do postulado (fls. 2/3).

O Ministério Público manifestou-se pelo deferimento da pretensão (fls. 22/24).

Sentenciando, o magistrado julgou improcedente o pedido formulado pelos requerentes (fls. 33/34).

Os autores interpuseram embargos de declaração, os quais foram julgados improcedentes pelo juízo a quo (fls. 36/49).

Inconformados, apelam os requerentes, asseverando serem casados pelo regime da separação total de bens, sendo que, ao longo do casamento, constituíram uma empresa com o esforço comum. Assim, com o advento do Novo Código Civil, necessitam adequar a empresa à nova legislação. Sustentam a possibilidade de aplicação do art. 1.639, §2º, do Código Civil aos casamentos celebrados anteriormente à vigência desse estatuto legal. Requerem o provimento do recurso (fls. 53/62).

O Ministério Público opinou pelo provimento do apelo (fls. 66/71).

Subiram os autos a esta Corte, tendo a Procuradoria de Justiça manifestado-se pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 74/78).

Foi observado o disposto no art. 551, §2º, do Código de Processo Civil.

É o relatório.


VOTOS
DESA. MARIA BERENICE DIAS (RELATORA-PRESIDENTE)

Trata-se de pedido de alteração de regime de bens de casamento celebrado em 21 de novembro de 1989, portanto, antes da vigência do Código Civil, Lei 10.406/2002 (fls. 8/9). Os apelantes convencionaram o regime da separação total e pretendem alterá-lo para o da comunhão parcial de bens, sob o argumento de terem constituído, em comunidade de esforços, uma empresa, tendo que se adaptar à nova legislação (artigos 977 e 2.031 do Código Civil).

Merece acolhida a irresignação.

Dispõem os artigos 2.039 e 1.639, §2º, do Código Civil, respectivamente:

O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.

É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Ainda que uma leitura conjunta e açodada dos dispositivos supra -referidos possa aparentar a existência de conflito entre ambos, tal conclusão não deve prevalecer.

O preceito do primeiro artigo acima transcrito tem por objetivo resguardar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, logo, a segurança das relações jurídicas, em face das alterações promovidas pelo Código Civil relativamente ao regramento específico de cada regime de bens. Logo, o que se pretende assegurar aos consortes é a aplicação da legislação por eles escolhida por ocasião da celebração do matrimônio, nos exatos termos da lei então em vigor.

Por outro lado, a redação do art. 1.639, §2º, do diploma civil institui novidade no ordenamento jurídico, porquanto, diversamente da imutabilidade do regime de bens prevista no antigo Código Civil, possibilita aos cônjuges a alteração desse pacto, mediante autorização judicial e pedido motivado de ambos os consortes, com o resguardo de eventuais direitos de terceiros.

Portanto, essa faculdade conferida aos cônjuges em nada afronta os direitos que se pretende assegurar pelo art. 2.039 da Lei 10.406/2002, mormente se considerada a consensualidade do pedido e o amparo a direitos de terceiros. Muito pelo contrário: em verdade, houve uma otimização do princípio da autonomia da vontade do casal, consagrado no princípio da livre estipulação do pacto (art. 1.639 do Código Civil), de forma que se revela descabido afastar tal ampliação de direitos dos casamentos celebrados sob a égide do antigo estatuto civil.

Outrossim, cumpre observar a dinâmica da vida moderna que, muitas vezes, vem a interferir nas relações patrimoniais dos consortes, fazendo com que o regramento escolhido não mais atenda aos anseios do par.

In casu, o regime estabelecido foi o da separação total de bens. No entanto, na constância do matrimônio, o casal constituiu uma empresa em conjunto, referindo a comunhão de esforços na concretização desse objetivo.

Assim, ainda que não se aplique ao caso em tela o art. 977 do diploma civil, diversamente do referido pelos recorrentes, pois não se trata de separação obrigatória de bens, tem-se que a justificativa apresentada relativa à criação em conjunto da sociedade comercial apresenta-se suficiente para o deferimento do pedido.

Outrossim, o entendimento desta Câmara já está pacificado no sentido da possibilidade de aplicação do artigo 1.639, §2º, do Código Civil aos casamentos celebrados antes da vigência desse estatuto legal.


Nesse sentido, colacionam-se os seguintes precedentes desta Corte:

REGISTRO CIVIL. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. REQUISISTOS. CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. POSSIBILIDADE. A regra do art. 2039 do CC/02 não fere o ato jurídico perfeito. Assim, mesmo diante do novo regramento trazido pelo atual código civil que modificou as regras dos regimes de bens, existe a possibilidade jurídica de alterar o regime de bens para matrimônios realizados sob a égide do CC/16. APELO PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70010447043, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM 30/03/2005)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES. Casamento celebrado sob a égide do antigo Código Civil. Alteração. Possibilidade. Sociedade comercial entre cônjuges. Art. 1.639, § 2º. O art. 2.039, constante das disposições finais e transitórias do Código Civil em vigor não impede a mudança do regime de bens para casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916. RECURSO PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70009777947, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ALFREDO GUILHERME ENGLERT, JULGADO EM 10/03/2005)

Por tais fundamentos, provê-se ao apelo, conferindo ao presente pedido efeitos ex tunc, ressalvados direitos de terceiros, e observando-se, após o trânsito em julgado, as determinações do Provimento da Corregedoria Geral de Justiça nº 024/03, com as alterações realizadas pelo Provimento de nº 024/04. As custas deverão ser rateadas entre os interessados.


DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (REVISOR) - De acordo.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - De acordo.

DESA. MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Apelação Cível nº 70011082997, Comarca de Vacaria: "PROVERAM O APELO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: SILVIO TADEU DE AVILA

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