Garantida indenização a judoca que ficou tetraplégico durante treino

Julgados - Direito Civil - Quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Ficou mantida a decisão que garantiu indenização ao judoca angolano Rui Nuno Fernandes. O ex-atleta, residente no Rio de Janeiro, ganhou o direito de ser indenizado pela Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB) do Rio, por ter ficado tetraplégico em virtude de acidente sofrido durante um treinamento de judô. A decisão foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, aplicando o Código de Defesa do Consumidor, definiu que a relação de consumo criada entre o judoca e a academia que ele freqüenta implica o dever de receber indenização quando ocorrer acidente que resultar em grave dano à saúde do atleta causado por negligência ou culpa de algum professor.

Em agosto de 1994, na AABB do Leblon, Nuno Fernandes, 22 anos, estava treinando com um colega num tatame em que mais quatro duplas de judocas treinavam também. Durante o treino, ao tentar se livrar de um golpe dado pelo seu colega, Nuno caiu de costas no tatame, no mesmo instante em que o professor Jomar Machado Gomes Carneiro recebeu um golpe do aluno com quem treinava, vindo a cair em cima de Nuno. Devido ao acidente, Nuno sofreu traumatismo raquemedular cervical, com fratura da 5ª e da 6ª vértebra cervical, tendo ficado tetraplégico e respirando com a ajuda de aparelhos.

A Justiça do Rio de Janeiro negou a indenização pedida por Nuno Fernandes, por entender que o ocorrido não passou de um lamentável acidente, uma fatalidade, o chamado caso fortuito, que não pode gerar direito a indenização, tendo em vista a sua evidente imprevisibilidade. A AABB do Rio argumentou, inclusive, que o professor Jomar ministra aulas desde 1982, sendo mestre de várias equipes premiadas de judô. Para a AABB, não houve, em momento nenhum, a criação ou exposição do rapaz a qualquer risco acima da expectativa normal inerente à atividade por ele desenvolvida no clube, sendo, dessa forma, descabido o pedido de indenização com base em um acidente lamentável, que poderia ter ocorrido com qualquer um.

Ao examinar o recurso especial apresentado por Nuno Fernandes, o relator, ministro Castro Filho, acompanhado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, mantinha a decisão da Justiça carioca, afastando qualquer culpa ou obrigação de indenizar da AABB. Contudo a maioria dos ministros da Terceira Turma definiu que, efetivamente, houve culpa do professor no sentido de que era seu dever zelar pela segurança de todos os atletas e orientá-los em seu treinamento. Para o STJ, ao participar da luta, o professor tornou possível a ocorrência da fatalidade, tanto mais comprovável quando, poucos meses depois da tragédia com Nuno, foi contratado um professor auxiliar para ajudar o professor Jomar nessa tarefa.

A questão voltou a julgamento da Turma em embargos de declaração apresentados pela AABB. Segundo a associação, a decisão da Turma ofendeu o artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, na medida em que, para conhecer do recurso especial, foi obrigada a examinar matéria de fato não considerada pelo acórdão recorrido (do TJ); a apreciar questão de direito não prequestionada; e a reconhecer a violação a preceito normativo estranho à legislação federal. O objetivo dos embargos de declaração é o de que a Terceira Turma os receba de modo a "explicitar o seu entendimento sobre as questões nele veiculadas, de modo a não inviabilizar o conhecimento do recurso extraordinário que se pretende interpor contra o v. acórdão embargado".

Ao apreciar esse pedido, o ministro Ari Pargendler, a quem coube a relatoria do recurso, destacou que o acidente em julgamento foi descrito no acórdão do tribunal estadual da seguinte forma: "No dojô coletivo, diversas duplas simultaneamente empenhavam-se em treinamento de judô. O demandante, segundo seu próprio relato ao perito, reproduzido nas fls. 501, no momento em que tentava a entrada de um golpe em seu parceiro desequilibrou-se e caiu, ao mesmo tempo em que o professor, que treinava outro atleta, foi por ele projetado ao solo, 'vindo a cair acidentalmente sobre o autor. Ainda tentou se erguer do chão, mas só conseguiu mexer os braços naquele instante'. Dinâmica confirmada pelas testemunhas".

Para o ministro, a valoração desse fato, para a apuração da responsabilidade civil, não precisa ser necessariamente aquela adotada pelo tribunal de origem. A afirmação sobre a aproximação excessiva das duplas em treinamento, por exemplo, é uma circunstância que resulta naturalmente do fato descrito no acórdão recorrido e que pode ser valorizada pelo Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial, sem extravasar de sua competência, entendeu o ministro.

Entende o ministro que a frase "esse aspecto fático da causa" também não representa inovação à base empírica do julgado - impertinente, portanto, a invocação da Súmula nº 282 do Supremo Tribunal Federal. "O Superior Tribunal de Justiça teria alterado a base fática reconhecida pelo tribunal a quo se a exigência de uma "distância mínima entre as duplas em treinamento" (fl. 873) destoasse das circunstâncias do acidente".

A conclusão do ministro Ari Pargendler é a de que a questão que se diz emergente do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal está artificialmente plantada nos autos. Assim, votou rejeitando o recurso, no qua foi seguido pelos demais integrantes da Turma.

Dessa forma, ficou mantida a decisão que acolheu o pedido do ex-atleta para condenar a AABB ao pagamento de R$100 mil a título de danos morais e, como danos materiais, um salário mínimo mensal, a contar da data do acidente e enquanto o judoca viver, verbas essas que devem ser acrescidas de juros de mora desde fevereiro de 1995, data da citação da AABB.

Além disso, Nuno terá direito ao reembolso de tudo o que já gastou com médicos e exames, bem como ao pagamento de todas as despesas relativas ao acompanhamento médico, fisioterápico e psicológico, além de R$15 mil destinados à aquisição de cadeira de rodas, cadeira higiênica e cama especial hospitalar, e ao pagamento de enfermagem permanente dia e noite, indispensável no seu caso. Todos esses valores devem ser atualizados de acordo com os preços do mercado, e os honorários de advogado serão de 10% sobre a importância integral da condenação, acrescida do valor das pensões vencidas e dos reembolsos relativos às despesas já efetuadas e um ano de pensões vincendas.

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